segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Entenda Melhor

Guerra dos Portos x ICMS



Guerra dos portos: paz ou nova batalha?

Uma das várias facetas com que a guerra fiscal se apresenta é aquela que ficou conhecida como "guerra dos portos", em que Estados concedem benefícios fiscais a quem realize importações pelo seu território, atraindo para si a arrecadação do ICMS incidente na importação. Sem tais benefícios, o referido imposto seria recolhido a outro Estado.

Claro que não há aprovação pelo Conselho Nacional de Política Fazendária, o Confaz, para a concessão desses benefícios, conforme exige a Constituição Federal.

A primeira batalha travada nessa guerra teve por objeto as importações chamadas de triangulares - aquelas em que, por meio da interposição de empresas consignatárias, busca-se atribuir competência tributária ao Estado que concede o benefício fiscal, em detrimento daquele em que se dá o desembaraço e para o qual a mercadoria é efetivamente destinada.

A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) firmou posição no sentido de que o destinatário jurídico da mercadoria importada - cuja localização, no entendimento do tribunal, define a competência para a cobrança do ICMS - será aquele a quem, nos termos do negócio jurídico subjacente à importação, é efetivamente destinada a mercadoria. Pouco importando onde é localizada a empresa que figura como mera representante dos interesses da importadora, simples consignatária dos bens importados.

Extintas as operações triangulares, restava, ainda, a batalha relativa às importações regulares, em que a empresa importadora, atraída por benefícios fiscais, efetivamente se estabelece no Estado que os concede.

E o primeiro tiro se deu com a edição da Resolução nº 13/12, pela qual o Senado Federal determinou que, a partir de 1º de janeiro deste ano, a alíquota do ICMS nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior passará a ser de 4%. Atualmente, as alíquotas que oneram as operações interestaduais são de 7% ou 12%, conforme os Estados envolvidos.

Essa nova alíquota se aplicará aos bens e mercadorias que, importados do exterior, não tenham sido submetidos a processo de industrialização após o desembaraço aduaneiro, ou, caso o tenham, apresentem "conteúdo de importação" superior a 40%.

Talvez a solução seja promover uma reforma um pouco mais abrangente

A Resolução previu que caberia ao Confaz baixar normas definidoras dos critérios e procedimentos a serem observados no processo de "Certificação de Conteúdo de Importação", e à Câmara de Comércio Exterior (Camex) a definição dos bens e mercadorias importados do exterior sem similar nacional, em relação aos quais as regras referidas no parágrafo anterior não serão aplicáveis.

Diante dos óbvios prejuízos que seriam causados à economia local, o governo do Espírito Santo propôs ação direta de inconstitucionalidade contra as disposições da Resolução nº 13. E merecem destaque, entre outros, dois argumentos que suportam essa ADI.

Primeiro, que a competência constitucionalmente outorgada ao Senado se limita à definição das alíquotas aplicáveis às operações interestaduais com o objetivo de repartir receitas entre os Estados de origem e destino, e não o de adotar políticas extrafiscais.

Segundo, mesmo que tal competência tivesse sido outorgada ao Senado, ter-se-ia que observar o princípio constitucional que veda a adoção de tratamento tributário desigual a bens ou mercadorias em razão da procedência ou destino.

Quanto ao primeiro argumento, a competência outorgada ao Senado foi para definir alíquotas interestaduais com a finalidade específica de repartir receitas entre os Estados. Objetiva-se, com isso, privilegiar o pacto federativo e permitir que os Estados menos desenvolvidos recebam fatia maior da carga tributária incidente na operação interestadual.

De fato, quanto menor a alíquota interestadual, maior a arrecadação interna no Estado de destino, o que justifica, por exemplo, que tenha sido fixada a alíquota menor de 7% para as operações interestaduais originadas nos estados do Sul e Sudeste e destinadas aos estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e ao Espírito Santo Essa alíquota reduzida (de 7%) permite que esses Estados, menos desenvolvidos, tenham uma parcela maior da arrecadação decorrente da tributação nas operações internas neles realizadas.

A tanto pode ir o Senado. Mas jamais extrapolar esses limites, para, por intermédio da fixação de alíquotas interestaduais, pretender definir políticas que visem sanar patologias decorrentes do mau uso de benefícios fiscais. Para esse fim, a Constituição expressamente prevê a criação de mecanismos próprios, há muito definidos na Lei Complementar nº 24, de 1975.

Também parece proceder o segundo argumento. Ao estabelecer alíquota diferenciada para operações interestaduais com bens importados do exterior não industrializados no país, ou com "conteúdo de importação" superior a 40%, a Resolução nº 13 cria exatamente o que a Constituição e os acordos internacionais celebrados pelo Brasil buscam evitar: a adoção de tratamento tributário desigual a bens em razão da sua procedência ou destino.

De fato, apesar de o tratamento diferenciado ter sido previsto para operação que ocorre no país (operação interestadual), o único elemento que propicia essa diferenciação é o fato de o produto ter sido importado, ou ter relevante conteúdo de importação. O que é mais do que suficiente para caracterizar a prática que a Constituição visa coibir.

Ou seja, foi um tiro n'água, principalmente se for levada em conta a forma como a matéria foi regulamentada pelo Confaz.

Talvez a solução seja, como propõe o ministro da Fazenda, Guido Mantega, promover uma reforma um pouco mais abrangente e unificar a alíquota interestadual em 4%, de forma que ela seja aplicável indiscriminadamente a todo e qualquer bem ou mercadoria (e não somente aos importados). Será atingido o mesmo fim, deixando a salvo os princípios constitucionais.

Gustavo Brigagão é advogado, sócio do escritório Ulhôa Canto

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

Fonte: Valor Econômico/Gustavo Brigagão



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