As bases de dados dos organismos internacionais fornecem, à primeira vista, informações contraditórias sobre o desempenho dos portos brasileiros. Alguns indicadores destacam a modernização da infraestrutura nos últimos 20 anos: o volume de comércio exterior do país praticamente decuplicou nesse período, e a expansão foi baseada essencialmente no transporte marítimo. Mas, segundo outros indicadores, a qualidade dos serviços é uma das piores do mundo. Para elucidar o aparente paradoxo, é preciso conferir esses dados, porque ambas as avaliações são pertinentes.
De acordo com o Containerisation International Yearbook, em 2011, o Brasil ocupou o 17º lugar na movimentação de contêineres, numa amostra de 120 países. Essa posição é, de fato, notável, posto que, devido à sua geografia e suas políticas protecionistas, o país continua sendo a economia mais fechada entre os membros da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Outro indicador similar é o Liner Shipping Connectivity Index que é computado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). Esse índice agrega cinco variáveis: número e tamanho dos navios que transitam nos portos, volume de carga, variedade de serviços prestados e quantidade de empresas operadoras. Embora o Brasil esteja atualmente em 35 º lugar por esses critérios, seu índice registrou um crescimento de 50% entre 2004 e 2012, tendo sido inferior apenas ao da China, que cresceu 56%.
Conversão da MP 595 em lei só resolverá impasse institucional se forem corrigidas outras anomalias
Entretanto, o Logistics Performance Index do Banco Mundial classificou o Brasil em 45º lugar em 2012. Ao contrário dos dois índices anteriores, que medem quantidades, este resulta de uma pesquisa de opinião junto às principais empresas de transporte marítimo. A enquete procura avaliar os principais méritos dos serviços portuários de cada país, como custo, rapidez, transparência das normas locais e atualização tecnológica das instalações.
Outro levantamento qualitativo vem sendo divulgado pelo Global Competitiveness Report (GCR) desde 1995. Essa pesquisa, que atualmente inclui 142 países, envia questionários a um grupo de firmas em cada país, pedindo ao entrevistado que avalie a infraestrutura portuária nacional numa escala crescente de 1 a 7. Para o Brasil, o GCR usou uma amostra de 185 firmas em 2011, que deram uma nota média de 2.7, situando o país em 130º lugar da escala internacional.
Diversos fatores explicam esse contraste entre os indicadores quantitativos e qualitativos. Os mais conhecidos são: as falhas do atual marco regulador, como as restrições à instalação de terminais privativos destinados a movimentar cargas de terceiros; as incertezas advindas da atuação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq); e os privilégios trabalhistas do setor, que tornam os custos portuários brasileiros superiores à média mundial. Essas deficiências têm contribuído para acentuar uma característica singular dos portos brasileiros, que é a ausência de competição entre eles.
Nesse ambiente, os terminais portuários passaram a ter um poder de mercado inusitado, como ilustra o caso julgado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em abril de 2005, relativo à cobrança da taxa conhecida como THC2 (Terminal Handling Charge nº 2). Na avaliação do Cade, essa taxa não correspondia à prestação de qualquer serviço. Sua função era eliminar a competição entre terminais e recintos alfandegados no mercado de armazenagem de cargas. Por esse motivo, os terminais foram condenados por abuso de posição dominante.
Nesse ambiente, os terminais portuários passaram a ter um poder de mercado inusitado, como ilustra o caso julgado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em abril de 2005, relativo à cobrança da taxa conhecida como THC2 (Terminal Handling Charge nº 2). Na avaliação do Cade, essa taxa não correspondia à prestação de qualquer serviço. Sua função era eliminar a competição entre terminais e recintos alfandegados no mercado de armazenagem de cargas. Por esse motivo, os terminais foram condenados por abuso de posição dominante.
Visando anular a decisão do Cade, os terminais buscaram o apoio da Antaq e foram bem sucedidos. Em fevereiro de 2012, a agência aprovou a Resolução nº 2389, que considera legítima a cobrança da THC2. Além de ignorar a opinião de seu corpo técnico, e afrontar o Cade, a direção da Antaq não divulgou os motivos de sua atitude.
A conversão da Medida Provisória 595 em lei poderá resolver esse impasse institucional, bem como corrigir outras anomalias responsáveis pela má reputação dos portos brasileiros, desde que sejam implantadas duas mudanças no atual marco regulador. A primeira seria eliminar as barreiras à entrada de novos operadores na movimentação de cargas de terceiros, posto que esse tipo de restrição não existe no resto do mundo. A segunda seria ampliar a transparência dos atos da Antaq, a fim de evitar outros incidentes similares ao caso da THC2.
Fonte: Valor Econômico/José Tavares de Araujo Jr. é diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes)
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