terça-feira, 13 de junho de 2017

Terminal de Outeiro ainda não foi concluído e obras estão abandonadas


Corredores escuros e silenciosos por onde transitam poucos funcionários. Salas fechadas, sem móveis. Estacionamento com vagas de sobra. Debaixo das chuvas torrenciais que atingem a região metropolitana de Belém, a sede administrativa e o armazém do Terminal Portuário de Outeiro não escondem seu estado de abandono. Dos sete barracões que compõem a estrutura de 18.000 metros quadrados, apenas quatro são cobertos – e, neles, as goteiras estão por todos os cantos.
Não há cargas aguardando o transporte nem previsão de embarques ou desembarques nos dois píeres que avançam sobre as águas do estuário do Rio Guajará-Açú, na margem direita da Baía do Guajará. Cobertas por poeira e teias de aranha, centenas de peças metálicas de uma esteira, que deveria ser usada para o transporte de cargas entre armazéns e navios, aguardam uso em um canto da estrutura.
Há cinco anos, os discursos oficiais indicavam um destino bem diferente para o terminal encravado na ilha fluvial de Caratateua, a 20 quilômetros do centro da capital paraense. O projeto, capitaneado pela Companhia Docas do Pará (CDP), em parceria com entidades do agronegócio como a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), previa implantar ali uma das principais estruturas destinadas à exportação de grãos do Brasil, com capacidade para escoar até 18 milhões de toneladas de milho e soja a cada safra.

Um investimento bilionário, público e privado, que permitiria mudar, juntamente com o Porto de Itaqui (MA), o eixo do transporte de cargas agrícolas dos portos do Sul e Sudeste para o chamado Arco Norte. De lá para cá, porém, vieram a crise econômica, novas regras de administração portuária, instabilidade política, troca não programada de presidente, novos ministros e secretários – e, em meio a esse turbilhão, os planos audaciosos para Outeiro não foram além das fundações para a construção de silos de armazenagem dos grãos que viriam do Centro-Oeste.
Para piorar, obras tidas como fundamentais não seguiram o ritmo esperado. A pavimentação do trecho paraense da BR-163, caminho mais curto para a produção de grãos de Mato Grosso, não se concretizou em 2013, tal como planejado. O derrocamento do Pedral do Lourenço, um afloramento rochoso de 43 quilômetros de extensão que impede a navegação contínua na hidrovia do Rio Tocantins entre os meses de setembro e novembro, teve sua licitação concluída apenas no ano passado e ainda não saiu do papel.
Engana-se, porém, quem imagina que o cenário logístico da Região Norte e, em especial, do Pará seja de estagnação. Impulsionado principalmente pela iniciativa privada, um entreposto graneleiro local a cada ano ganha escala. Essa mescla de avanços e desafios ainda a superar foi vista de perto pela reportagem de Globo Rural em mais uma etapa do projeto Caminhos da Safra. A partir de Belém, a equipe visitou as estruturas subutilizadas do Terminal de Outeiro e conheceu o Porto de Vila do Conde, na região de Barcarena, onde três grandes projetos privados, com capacidade para movimentar até 16 milhões de toneladas de granéis, exportam pouco mais de 4 milhões de toneladas.
Na história da construção da rota de escoamento pelo Arco Norte, o período de 2009 a 2012 foi de grande otimismo para os técnicos da Companhia Docas do Pará (CDP). Estavam em pleno andamento os estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental para um amplo programa de arrendamento que permitiria converter os portos de Outeiro e Vila do Conde em destinos prioritários para granéis agrícolas.
Concluídos em 2012, os estudos não deixavam dúvidas sobre a vocação das áreas que seriam colocadas em oferta (três em Outeiro, uma em Vila do Conde). O fato é que, logo após esse momento, todo o cenário portuário brasileiro passou a mudar rapidamente. E, no caso da CDP, para pior.
“Em 2013, apesar de algumas autoridades portuárias, como era nosso caso, terem concluído a formatação de seu programa de arrendamento, o governo federal cochilou e não lançou essas ofertas no mercado”, relata Guilherme Braga, diretor de planejamento de mercado da CDP.
Em seguida, veio a edição da nova Lei dos Portos (12.815), em cinco de junho de 2013, que, na visão do diretor, “foi boa para o setor privado, mas ruim para os portos públicos”. “Na legislação anterior, a autoridade portuária tinha sua autonomia: você recebia o interessado, discutia o projeto e preparava um estudo de viabilidade para a licitação. Com a nova lei, os programas de arrendamento ficaram concentrados na mão do chamado poder concedente, no caso, a Secretaria de Portos, hoje o Ministério dos Transportes. E não há estrutura para dar vazão à demanda”, afirma.
Questionamentos formulados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) acabaram por emperrar de vez o processo. A situação indefinida de Outeiro, segundo ele, é resultado direto desse contexto. “Foi criado um hiato muito grande. Será preciso rever o estudo de viabilidade, que foi feito em outra legislação, com uma conjuntura e situação de mercado distintas”, avalia Guilherme.
Em Vila do Conde, o arrendamento da área reservada para grãos pela CDP não foi concretizado e, de acordo com a companhia, também vai exigir readequação dos estudos de viabilidade. “Temos de encontrar soluções de mercado e de engenharia que tornem atrativo o investimento no porto público, e não numa área fora dele, como vem acontecendo”, diz.
Eduardo Carvalho, presidente do Movimento Pró-Logística do Pará
Capital privado
O investimento em terminais privados na vizinhança do porto público de Vila do Conde cresceu vigorosamente nos últimos quatro anos. No período, foi erguido e colocado em operação um polo privado de recepção e escoamento, com capacidade para 15 milhões de toneladas de grãos. Entre 2014 e 2016, a movimentação de grãos na região de Barcarena saltou 200%, de pouco mais de 1,5 milhão de toneladas para 4,5 milhões de toneladas.
Segundo estimativa da Amport (Associação dos Terminais Portuários e Estações de Transbordo de Cargas da Bacia Amazônica), que reúne 14 empresas que investem em logística na região, os projetos destinados ao Arco Norte já somam R$ 4 bilhões.
Somente para a operação das hidrovias do Brasil, iniciada a partir de agosto de 2016, mais de R$ 2 bilhões foram direcionados para a construção do TUP (Terminal de Uso Privado) de Vila do Conde e da Estação de Transbordo de Carga (ETC), em Miritituba, ao sul do Pará. “Toda a operação foi construída em uma localização estratégica, para escoamento de grãos e para importação de fertilizantes”, diz o CEO da companhia, Bruno Serapião.
O grande alimentador do sistema de Vila do Conde é o complexo de estações de transbordo de Miritituba, cuja operação depende diretamente da conclusão da pavimentação da BR-163, a cargo do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). Com os atoleiros e as filas de caminhões que se formaram na BR, a Amport estima que 1 milhão de toneladas tenham sido perdidas para outras rotas de escoamento.
“Quanto mais criamos entraves no sistema Norte, mais fomentamos a competitividade nos sistemas do Sul e Sudeste”, lamenta Paul Steffen, presidente da Amport e diretor de operações do TGPM (Terminal de Grãos Ponta da Montanha), o primeiro instalado no país após a Lei dos Portos.
O mapa dos investimentos logísticos em andamento ou previstos para potencializar a saída pelos portos do Pará inclui ferrovias, hidrovias e rodovias por eixos que vão de Rondônia até o Tocantins.“A logística pode se transformar no principal vetor de desenvolvimento do Estado”, avalia o empresário Eduardo Carvalho, presidente do Movimento Pró-Logística do Pará, criado este ano e que reúne armadores fluviais, operadores portuários, terminais privados e as federações da indústria, comércio e agricultura.“Esse conjunto de investimentos irá viabilizar a produção local”, diz Paul Steffen, da Amport.
Em nota, o Ministério dos Transportes culpou a recessão na economia mundial pelo ritmo lento na liberação de investimentos no setor portuário. Em relação ao Porto de Outeiro, a nota diz que a situação decorre da “falta de interesse atual dos investidores”.
Fonte: Revista Globo Rural

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